Facções brasileiras sob a mira dos EUA: o debate sobre terrorismo

Facções brasileiras sob a mira dos EUA: o debate sobre terrorismo Em 10 de agosto de 2025 por GT de Segurança Pública. Aline Fiedler Procópio Giove, Bruna Fameli Maffessoni, Carlos Augusto Pereira de Almeida, Isabella Tardelli Maio, Maria Eduarda Brito e Rafaela Castilho Miranda. Estados Unidos pressionam Brasil e outros países latino-americanos a classificarem facções como PCC e Comando Vermelho como organizações terroristas. Especialistas alertam para os riscos jurídicos e políticos dessa proposta, que pode comprometer a soberania regional e aplicar de forma inadequada o conceito de terrorismo previsto na legislação brasileira. Em maio deste ano, a delegação estadunidense de David Gamble, chefe interino da Coordenação de Sanções do Departamento de Estado, esteve no Brasil para tratar das iniciativas voltadas ao combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas. As autoridades do governo Trump mencionaram explicitamente o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) ao argumentar a favor da designação de organizações criminosas transnacionais como grupos terroristas (CNN, 2025). Como resposta, o governo brasileiro alegou que tais organizações não se enquadram como terroristas. O secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sabburro, disse que “[…] o Brasil hoje padece, como de fato vários países do mundo padecem, com esse problema das organizações criminosas” (G1, 2025). O esforço estadunidense para reformular as classificações não é isolado. Trata-se de uma prática feita com outros países latino-americanos, como é o caso da Venezuela e da facção Tren de Aragua (CNN, 2025). Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), enxerga que existem quatro motivos que justificam a medida: (1) o PCC e o CV têm ampliado suas operações para além das fronteiras brasileiras; (2) segundo os EUA, as facções cometeram ataques com bombas, mataram autoridades e praticaram outras ações violentas que eles consideram como atos de terrorismo; (3) há infiltração das facções em outros países, especialmente nos EUA, como em Massachusetts e Pensilvânia e, por fim, (4) o reconhecimento como organizações terroristas facilitaria a aplicação de sanções e cooperação internacional. Ana Isabel Pérez Cepeda, professora de Direito Público da Universidade de Salamanca (ESP), alerta para os perigos de distorção da Lei 13.260/2016, que tipifica o terrorismo no Brasil (Martinelli; Oliveira, 2025). Segundo essa legislação, o terrorismo é caracterizado por atos praticados por uma ou mais pessoas, motivados por xenofobia, discriminação ou preconceito de: raça, cor, etnia ou religião, com a intenção de causar terror social ou generalizado, colocando em risco a vida, o patrimônio, a paz ou a segurança pública. O PCC e o CV, por outro lado, não visam um projeto político-ideológico alternativo, mas a perseguição de objetivos econômicos e manutenção de seu poder em territórios específicos (Martinelli; Oliveira, 2025). Dessa forma, torna-se imprescindível refletir sobre quais são, de fato, as motivações por trás da iniciativa do governo dos Estados Unidos, bem como os seus impactos na América Latina e, em particular, no Brasil. Grupos como o Primeiro Comando da Capital (PCC), o Comando Vermelho (CV) e a Família do Norte (FDN) não são resultados recentes da violência urbana, mas fenômenos que se consolidaram ao longo das últimas décadas, a partir de um contexto marcado pela precarização do sistema prisional e pela ausência do Estado em territórios periféricos (Salla & Teixeira, 2020). O CV surgiu no final da década de 1970, no presídio de segurança máxima da Ilha Grande (RJ), como resultado da convivência imposta pelo Estado entre presos comuns e presos políticos (André, 2015). Essa experiência compartilhada levou à formação de uma aliança em torno da luta por melhores condições no sistema prisional. De forma semelhante, o PCC foi criado em 1993, no presídio de Taubaté (SP), em reação ao massacre do Carandiru, a fim de proteger a população carcerária diante da violação sistêmica de direitos no interior das prisões (Feltran, 2018) O sistema prisional permanece como um dos principais espaços de consolidação do poder das facções criminosas no Brasil. Embora muitas dessas organizações tenham se originado nas prisões, atualmente elas se fortalecem e operam de forma articulada dentro e fora do cárcere. As prisões seguem sendo utilizadas por facções como o PCC para recrutamento, organização interna e coordenação de ações externas. Em contextos marcados pela ausência ou violência estatal, esses grupos consolidam sua influência também fora dos presídios, oferecendo proteção, impondo regras e ocupando territórios vulneráveis, especialmente por meio do controle do mercado de drogas (Dias, 2013; Feltran, 2019). Ao longo do tempo, as facções criminosas ampliaram sua atuação para além das redes locais de violência e do controle territorial de bairros, ainda que essas dimensões continuem presentes — no caso do PCC, por exemplo, práticas como a autorização de “lojinhas”, a circulação de mercadorias e a imposição de disciplina nas periferias seguem sob seu controle. Na prática, há uma complexificação da estrutura organizacional, marcada por uma forte racionalidade econômica. O PCC, em particular, passou a operar segundo uma lógica empresarial, com redes de abastecimento e distribuição transnacionais, controle de portos estratégicos como Santos (SP), Paranaguá (PR) e Itajaí (SC), e presença direta em países sul-americanos como Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia, além de registros mais recentes de atuação na Europa (Gonçalves, 2022; Kawaguti, 2023; UNODC, 2023). Para Manso e Dias (2018), o PCC tem se configurado como uma organização híbrida, mesclando práticas de mercado e disciplina violenta para gerir um projeto de poder com alcance nacional e internacional, mas ainda profundamente enraizado no controle de territórios periféricos, principalmente nas cidades da região metropolitana de São Paulo. Atualmente, a atuação das facções criminosas brasileiras não é guiada apenas por uma lógica estritamente econômica ou territorial. Como argumenta Dias (2024), o PCC desenvolveu uma forma de organização que combina a gestão do mercado de drogas com mecanismos ideológicos e normativos internos que garantem coesão e continuidade mesmo diante de repressões estatais e mudanças no cenário criminal. Essa estrutura permite que a violência não seja utilizada como um fim em si mesma, mas como um instrumento funcional de gestão e controle, regulando conflitos, impondo disciplina interna e garantindo a manutenção de acordos no mercado ilícito. Compreender