The Black Saint and The Sinner Lady: uma carta de Mingus ao futuro

The Black Saint and The Sinner Lady: uma carta de Mingus ao futuro Edição do CAMPP Recomenda, postado em 28 de julho de 2025. Abraão Aguilera. Estridente como um grito e, ao mesmo tempo, introspectivo como um murmúrio, o álbum de Charles Mingus expressa os anseios da metrópole de Nova York sob a ótica de um homem negro carregado de sentimentos intrínsecos à radical rotina que o inspira e, simultaneamente, o adoece. Ocupando o hall dos álbuns mais importantes da história do jazz, The Black Saint and The Sinner Lady ambienta com maestria o cenário em que o gênero musical se realiza, ao ouvir, sente-se a cidade grande no uso de madeiras, metais e encordoamentos de nylon como quase nenhuma outra obra do gênero é capaz de fazer sentir. O jazz pulsante retrata não o glamour das grandes casas de show nova-iorquinas onde esta suíte-balé de Jazz seria reproduzida, mas as inquietações de um artista pressionado pelas suas ambições em um ambiente de segregação e violência racial. É precisamente essa energia — a raiva contra a injustiça, a dor da exclusão e o anseio apaixonado por liberdade — que Mingus canaliza e transforma na construção complexa, visceral e furiosa de The Black Saint, um testemunho sonoro do estado emocional e racial de sua vivida na confusa Nova York de 1963. A identidade urbana construída ao redor de expressões artísticas como o Jazz foi concomitante a inúmeros fenômenos sociais do Século XX, marcado pelas grandes guerras, ampla urbanização e aceleração do capitalismo globalizado junto de suas contradições. O contrabaixista e compositor, capaz de encapsular os sentimentos resultantes de algumas destas transformações em quatro faixas, logrou a intenção de elaborar um álbum que emanasse os sentimentos dos artistas que naquele período intenso e agudo clamavam por “paz, liberdade e amor” na realização de sua arte e vida. Retrato de um período, pode ser refúgio de outro! Em um momento que a extrema-direita ascende, renega a expressão artística que não é condicionada ou regida por seus valores, conhecer esta obra e orientar-se a apreciá-la é resistir à uniformização cultural de supremacistas que tratam a música erudita como superior e um caminho único a ser seguido ou retomado. Acredite: a relevante complexidade harmônica deste álbum, capaz de gerar estranhamento num primeiro momento, torna-se natural (e até confortável) nas próximas vezes ouvidas. Se divirta!