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Centro de Análise e Monitoramento de Políticas Públicas

Trabalhar até morrer? O caminho da previdência social desde a Constituição Federal de 1988

Trabalhar até morrer? O caminho da previdência social desde a Constituição Federal de 1988 Em 8 de setembro de 2025 por GT de Previdência Social. Foto: CP Memória A trajetória recente da previdência social brasileira partiu de uma promessa de solidariedade social inscrita na Carta Magna e chegou ao cenário de desesperança atual. Nesse texto abordamos como cada governo (executivo federal) fincou seu marco no processo de retração neoliberal da Previdência e tornou mais difícil a compreensão e acesso dos cidadãos aos seus direitos. Ariane Mantovan, Gabriel Sousa e Sandra Brumatti.  A Constituição Federal de 1988 é destacada costumeiramente por um anseio de basilar um Estado de bem-estar social ao Brasil, fortemente influenciado pelo espírito de redemocratização que o país vivia naquele momento (Farah, 2001). Neste sentido, o sistema de seguridade social aventado entre os artigos 193 e 204 se notabiliza como um dos elementos mais expressivos de sua proposta de consagração de direitos sociais, eis que cria um sistema universalista que une saúde, assistência e previdência social sob o manto da “ordem social” (Brasil, 1988). Como ponto de partida, a escolha de constituir um sistema público de repartição garantiu que o financiamento dos benefícios da previdência não estaria condicionado ao exato montante de contribuição anterior, consolidando o sistema em uma solidariedade atuarial, onde os trabalhadores ativos financiam os benefícios dos trabalhadores aposentados e consequentemente são cobertos pela geração futura. Este aspecto está intimamente ligado à visão universalista de direitos que a Carta Magna consolidou, onde a aposentadoria não estaria condicionada à contribuição, mas seria garantida como um direito e dever do Estado aos seus cidadãos. Deste modo, o texto proposto pelos constituintes foi redigido com as condições para aposentadoria partindo do tempo de trabalho do cidadão, e não de sua contribuição.  Os constituintes visaram atuar de maneira equitativa sob as desigualdades entre o meio urbano e o meio rural e de gênero, prevendo a redução de cinco anos para aposentadoria das trabalhadoras urbanas e dos trabalhadores rurais. Assim, o texto original da Constituição previa duas espécies de aposentadoria: uma que se concentrava no requisito da idade e outra no tempo de trabalho. Dessa forma, exigia 65 anos de idade para os trabalhadores urbanos e 60 anos de idade para as trabalhadoras se aposentarem na aposentadoria por idade, enquanto aos trabalhadores rurais eram exigidos 60 anos de idade e às trabalhadoras rurais 55 anos de idade. Além disso, também era possível se aposentar com 35 anos de tempo de serviço se homem e 30 anos de serviço se mulher e destaca-se também a redução de cinco anos na idade mínima exigida de tempo de serviço aos professores (educação infantil, ensino fundamental e médio), com 5 anos adicionais às professoras (Brasil, 1988). A seguir um quadro-resumo das regras de aposentadoria inscritas na Constituição Federal em sua redação original: Quadro 1 APOSENTADORIA POR IDADE APOSENTADORIA POR TEMPO Homens: 65 anos Mulheres: 60 anos Homens: 35 anos Mulheres: 30 anos Rurais homens: 60 anos Rurais mulheres: 55 anos Professores: 30 anos Professoras: 25 anos Todavia, os anos 1990 apresentariam óbices à efetivação das políticas de welfare state que a Carta Magna propunha (Farah, 2001). Mobilizando o contexto brasileiro de crise financeira estatal, o sistema previdenciário passou a sofrer uma crítica que permearia os argumentos pela sua reforma nos próximos 35 anos: a previdência seria elemento de desequilíbrio das contas públicas. Os Governos Collor (1990-1992) e Itamar (1992-1994) estariam mais próximos da agenda neoliberal que ascendeu na América Latina nesse período, e passariam a criticar os avanços de direitos sociais propostos pela CF/88, alegando estarem à frente da capacidade estatal de provê-los. Apesar das críticas neoliberais e atraso na aprovação de leis que tratariam do custeio e benefícios previdenciários, o sistema previdenciário foi capaz de resistir neste período inicial, sendo inclusive capaz de se manter incólume na Revisão Constitucional de 1993. Seria no Governo FHC que os ciclos de retrocessos neoliberais se iniciariam: o mote do governo eleito em 1994 passaria a ser promover a estabilização macroeconômica do país, e, para sustentar os ajustes fiscais que o governo buscava, o financiamento da seguridade social passaria a ser atacado e diminuído, em medidas de Desvinculação dos Recursos da União – DRU (Tobaldini & Suguihiro, 2011) que aumentavam a discricionariedade do governo em efetuar gastos públicos, ao passo que reduzia a sua capacidade de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, entre eles o da previdência. Contudo, seria com a Emenda Constitucional nº 20/1998 que o regime previdenciário teria sua até então mais profunda alteração, especialmente pelas alterações nos critérios de acesso (Silva, 2024). A despeito da resistência enfrentada no Legislativo (Jard da Silva, 2020), o Governo FHC logrou sucesso na aprovação da Emenda que modificou os seguintes pontos: Extinguiu a possibilidade de solicitação de aposentadoria proporcional para homens e mulheres, em que os contribuintes antecipavam sua aposentadoria ao custo de diminuírem o seu valor de benefício a um valor proporcional ao seu tempo de serviço. Alterou de tempo de serviço/trabalho para tempo de contribuição como critério de acesso na concessão da aposentadoria. Facilitou para que alterações relacionadas a regra de concessão e critérios de pagamento previdenciários fossem definidos por normas infraconstitucionais e não mais por PECs. Constitucionalização da previdência privada, apesar de já ser anteriormente regulada pela Lei Federal nº 6.435/77, trazendo maior segurança jurídica. Foi incorporada de forma complementar ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), voltada a maior parte dos trabalhadores e ao Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), destinado aos servidores públicos efetivos. Excluiu os professores universitários da regra especial que reduzia em 5 anos o tempo de serviço (agora contribuição) para aposentadoria. Neste sentido, o Governo FHC representa um marco na transição do sistema previdenciário em direção a um modelo contributivo e securitário, especialmente pela nova exigência de 35 e 30 anos de tempo de contribuição para homens e mulheres, respectivamente. Além disso, cabe destacar como a flexibilização nas exigências para alteração previdenciária, permitiu que não fosse mais necessário formar coalizões legislativas amplas para aprovação de Emendas Constitucionais que alterassem a