Ir para o conteúdo

Centro de Análise e Monitoramento de Políticas Públicas

Flexibilidade Orçamentária ou Retrocesso Social? Os Riscos da Desvinculação de Pisos e Benefícios no Brasil

Flexibilidade Orçamentária ou Retrocesso Social? Os Riscos da Desvinculação de Pisos e Benefícios no Brasil Em 8 de setembro de 2025 por GT de Orçamento Público. Foto: Tempo de política – Disponível em: https://tempodepolitica.com.br/gastos-com-saude-publica-e-educacao/ A proposta orçamentária de 2026 reacende o debate sobre a desvinculação dos mínimos constitucionais. Sob o argumento da flexibilidade fiscal, abre-se o risco de fragilizar salvaguardas que garantem financiamento contínuo a direitos sociais básicos, trocando estabilidade de longo prazo por ganhos imediatos. Isabela Tabarelli Cabral, Luiz Gustavo Ferreira da Silva, Vinicius Freitas Tavares Silva, Vitória Elizabeth Cabral. A tramitação da Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026, enviada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional em agosto de 2025, reabre um debate central sobre as finanças públicas brasileiras no que diz respeito à arrecadação e alocação dos recursos disponíveis. Em meio às discussões sobre cortes, destinação de recursos via emendas parlamentares, investimentos e prioridades, uma questão se destaca: a possibilidade de ampliar a discricionariedade do gasto por meio da flexibilização dos mínimos constitucionais para Saúde e Educação. Como indicou Borges (2021), há diversos incentivos que, do ponto de vista do cálculo político, levam à priorização de gastos de curto prazo, o que está na base do posicionamento em prol da desvinculação das receitas. As vinculações constitucionais de receitas são regras previstas na Constituição que obrigam União, estados e municípios a destinarem uma parte de seus tributos para áreas consideradas essenciais. A lógica é “carimbar” uma fatia do orçamento, garantindo que esses serviços tenham recursos mínimos assegurados, independentemente de mudanças políticas ou conjunturais. Esse debate já se fez presente em maio de 2025, quando o ex-secretário do Tesouro Nacional, Paulo Bijos, defendeu que a resolução do “nó fiscal” brasileiro só seria viável mediante a desvinculação dos pisos constitucionais da saúde e da educação e a desindexação de benefícios atrelados ao salário mínimo. Sua proposta recolocou em evidência uma agenda presente em setores da economia e da política que enxergam nas vinculações constitucionais um entrave para a gestão mais “eficiente” do orçamento, frequentemente considerado engessado (Nery, 2025; Vieira et al., 2020). Na época, a pauta também se estendeu à discussão sobre a reforma administrativa, à medida que o deputado federal, Pedro Paulo (PSD-RJ), defendeu  que a reestruturação do orçamento deveria estar atrelada ao fim das vinculações. Nesse ponto, torna-se necessário refletir sobre os desdobramentos da desvinculação dos mínimos constitucionais. O orçamento público no Brasil se destaca como um instrumento multifuncional, constituído por um arcabouço jurídico robusto, que estabelece obrigações mínimas de financiamento de políticas sociais. Mais do que simples números, as vinculações formam um microssistema jurídico, funcionando como salvaguardas contra a volatilidade política, impedindo cortes arbitrários em áreas estruturantes (Pinto; Ximenes, 2018; Araújo, 2023). Removê-las em favor da “flexibilidade” significa, na prática, abrir mão de mecanismos de proteção a direitos sociais básicos. Os pisos foram instituídos com o objetivo de garantir um dispêndio mínimo e contínuo em áreas essenciais, independentemente do governo eleito. Nesse sentido, configuram-se como políticas de Estado, ou seja, diretrizes jurídico-normativas de caráter permanente que vinculam os governos à obrigação de assegurar gastos voltados para metas de longo prazo nessas áreas, promovendo continuidade e previsibilidade, mesmo diante de instabilidades políticas ou crises econômicas eventuais (Araújo, 2023).   Na configuração atual, a Constituição Federal determina que o gasto em educação por parte da União deve ser, anualmente, no mínimo 18% da receita de impostos, enquanto Estados, Distrito Federal e Municípios destinam 25%. Para o piso da saúde, os Estados devem aplicar 12% e os Municípios 15% da receita de impostos, enquanto a União aplica no mínimo 15% da receita corrente líquida (Brasil, 1988). Desse modo, os pisos asseguram que União, estados e municípios destinem percentuais mínimos de suas receitas anualmente para essas áreas essenciais, protegendo-as de ajustes fiscais conjunturais e garantindo a manutenção dos direitos sociais, além de promover o desenvolvimento humano e social no Brasil no longo prazo.  Conforme Araújo (2023), do ponto de vista técnico, a lógica que rege o argumento que defende a quebra dos pisos constitucionais é exclusivamente econômico-contábil, ou seja, baseia-se numa visão meramente matemática de relação entre receita e despesa, desconsiderando o respeito às imposições constitucionais e à realização de direitos fundamentais. Portanto, a elaboração do orçamento público não pode se restringir a um programa de austeridade fiscal baseado numa análise financeira racionalizada, uma vez que este cálculo desconsidera a responsabilidade pública de concretização de um programa constitucional que prevê a democratização do acesso à saúde e à educação.  Do mesmo modo, a indexação de benefícios sociais ao salário-mínimo – como o piso da previdência, BPC, seguro-desemprego e abono salarial – também é alvo de ameaças nos debates sobre o orçamento de 2026. Sob este prisma, é notório que a indexação dos benefícios ao salário-mínimo surge como garantia de que os mais vulneráveis participem dos ganhos de produtividade da economia e não tenham seu poder de compra prejudicado pela inflação. É um mecanismo financeiro que impede a pauperização de milhões de famílias, assegurando sua dignidade (DIEESE, 2023). Partindo da mesma lógica econômico-contábil, argumenta-se que a desindexação seria uma medida importante para garantir uma gestão mais “eficiente” do orçamento público, considerando as imposições previstas pelo Novo Arcabouço Fiscal. Todavia, desconsidera-se o fato de que reduzir o poder de compra dos beneficiários significa contrair o consumo local, afetando diretamente o pequeno comércio e os serviços, gerando um ciclo vicioso de empobrecimento e estagnação econômica regional, com reflexo inclusive sobre as receitas públicas (CSB, 2023).  Uma proposta alternativa à desvinculação foi a da unificação dos pisos constitucionais, contida na PEC 188/2019 – arquivada em 2022. A medida consistiu em somar os mínimos constitucionais de saúde e educação em um único piso global, de modo que o excedente aplicado em uma das áreas pudesse ser usado para compor o mínimo da outra. Os defensores da medida alegavam que tal mecanismo conferiria maior flexibilidade aos entes federativos, permitindo que os estados e municípios ajustassem a alocação de recursos de acordo com suas realidades locais (Vieira et al., 2020). Na prática, a unificação funcionaria como uma